Trechos selecionados: Microfísica do poder (Editora Graal), de Michel Foucault



Sobre o Panóptico (panopticon), de Jeremy Bentham:

O princípio é: na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre; esta possui grandes janelas que se abrem para a parte interior do anel. A construção periférica é dividida em celas, cada uma ocupando toda a largura da construção. Estas celas têm duas janelas: uma abrindo−se para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, dando para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de um lado a outro. Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancafiar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um estudante (p. 210).


A arquitetura como modo de organização econômico-política:

Parece−me que, no final do século XVIII, a arquitetura começa a se especializar, ao se articular com os problemas da população, da saúde, do urbanismo. Outrora, a arte de construir respondia sobretudo à necessidade de manifestar o poder, a divindade, a força. O palácio e a igreja constituíam as grandes formas, às quais é preciso acrescentar as fortalezas; manifestava−se a força, manifestava−se o soberano, manifestava−se Deus. A arquitetura durante muito tempo se desenvolveu em torno destas exigências. Ora, no final do século XVIII, novos problemas aparecem: trata−se de utilizar a organização do espaço para alcançar objetivos econômico−políticos. Aparece uma arquitetura especifica. Philippe Ariès escreveu coisas que me parecem importantes a respeito do fato da casa, até o século XVIII, continuar sendo um espaço indiferenciado. Existem peças: nelas se dorme, se come, se recebe, pouco importa. Depois, pouco a pouco, o espaço se especifica e torna−se funcional. Nós temos um exemplo disto na edificação das cidades operárias dos anos 1830−1870. A família operária será fixada; será prescrito para ela um tipo de moralidade, através da determinação de seu espaço de vida, com uma peça que serve como cozinha e sala de jantar, o quarto dos pais (que é o lugar da procriação) e o quarto das crianças. Às vezes, nos casos mais favoráveis, há o quarto das meninas e o quarto dos meninos. Seria preciso fazer uma "história dos espaços" − que seria ao mesmo tempo uma "história dos poderes" − que estudasse desde as grandes estratégias da geopolítica até as pequenas táticas do habitat, da arquitetura institucional, da sala de aula ou da organização hospitalar, passando pelas implantações econômico−políticas. É surpreendente ver como o problema dos espaços levou tanto tempo para aparecer como problema histórico−político (p. 211 e 212).


O exercício do poder sobre o corpo:

É preciso, em primeiro lugar, afastar uma tese muito difundida, segundo a qual poder nas sociedades burguesas e capitalistas teria negado a realidade do corpo em proveito da alma, da consciência, da idealidade. Na verdade, nada é mais material, nada é mais físico, mais corporal que o exercício do poder... Qual é o tipo de investimento do corpo que é necessário e suficiente ao funcionamento de uma sociedade capitalista como a nossa? Eu penso que, do século XVII ao início do século XX, acreditou−se que o investimento do corpo pelo poder devia ser denso, rígido, constante, meticuloso. Daí esses terríveis regimes disciplinares que se encontram nas escolas, nos hospitais, nas casernas, nas oficinas, nas cidades, nos edifícios, nas famílias... E depois, a partir dos anos sessenta, percebeu−se que este poder tão rígido não era assim tão indispensável quanto se acreditava, que as sociedades industriais podiam se contentar com um poder muito mais tênue sobre o corpo. Descobriu−se, desde então, que os controles da sexualidade podiam se atenuar e tomar outras formas... Resta estudar de que corpo necessita a sociedade atual... (p. 147 e 148).


Os micropoderes:

[...] uma das primeiras coisas a compreender é que o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados. [...] A psicanálise, em algumas de suas atuações, tem efeitos que entram no quadro do controle e da normalização. Se conseguirmos modificar estas relações, ou tornar intoleráveis os efeitos de poder que aí se propagam, tornaremos muito mais difícil o funcionamento dos aparelhos de Estado... (p. 149 e 150).

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