Arquivo para download: A aprendizagem da atenção na cognição inventiva, por Virgínia Kastrup

O problema da aprendizagem da atenção tem tido lugar de destaque na atualidade. Um dos motivos é que o funcionamento da atenção no mundo contemporâneo vem assumindo uma característica marcante. [...] Numa busca acelerada de novidade a atenção é passageira, muda constantemente de foco e é sujeita ao esgotamento em frações de segundos. Quando se procura descrever como a atenção funciona nos dias atuais, o primeiro aspecto que sobressai é uma acentuada dispersão, que resulta da mudança constante do foco da atenção. Não é difícil perceber que alguns fatores participam da produção desse tipo de subjetividade. As imagens e textos constantemente veiculados pela mídia, bem como a explosão recente das tecnologias da informação, como é o caso Internet, torna disponível uma avalanche de informações, atravessando grandes distâncias em alguns segundos. Por sua vez, os celulares são também fatores importantes, atravessando sem cessar o fluxo da vida cotidiana. Observa-se que há neste quadro de coisas algo que é da ordem da quantidade. Há na sociedade contemporânea um excesso de informação e uma velocidade acelerada que convoca uma mudança constante do foco da atenção, em função dos apelos que se multiplicam sem cessar.

H. Bergson tem como importante contribuição apontar a existência de uma atenção à duração, que é como uma atenção suplementar, que não se confunde com aquela voltada para a vida prática e para os imperativos da ação. A atenção à vida prática está envolvida nas atividades ordinárias da vida cotidiana, sendo portanto utilitária. Já a atenção suplementar caracteriza um mergulho na duração, sendo evidenciada sobretudo na arte e na filosofia. [...] A suspensão da atitude natural, ou seja, a suspensão da atitude cognitiva de juízo, pode ser desencadeada por um acontecimento especial, que interrompe o fluxo cognitivo habitual. Um dos exemplos mais reveladores é a surpresa estética.

A questão é como cultivar o ato do devir-consciente [...] através de práticas concretas. As práticas propostas são diversas: a meditação budista, a entrevista de explicitação, a reza do coração, a clínica, a sessão de escrita, o aprendizado da filosofia e a própria visão estereoscópica. [...] Estes exemplos revelam que as práticas de aprendizagem da atenção que estão em jogo aqui não se esgotam enquanto prática de pesquisa, assumindo diversas vezes a feição de práticas de transformação de si e de relação consigo. [...] É enquanto força que a música surge como novidade, produzindo surpresa e instalando um estado de exceção e produzindo a suspensão do tempo, que se revela como desaceleração e espera. Numa direção semelhante, examinamos o caso das oficinas de leitura, que propiciam a experiência com a arte em situação de aprendizagem. Na experiência literária, o encontro do leitor com o texto se dá num plano de forças. O texto, em sua dimensão de alteridade, aciona no leitor experiências de estranhamento e problematização que ocorrem no plano pré-egóico de afectos. A leitura produz rachaduras, que chamamos, com Deleuze e Guattari, de afectos impessoais, que não se confundem com sentimentos e emoções subjetivas. O encontro com o texto é ocasião para o encontro consigo mesmo, com as forças de alteridade que habitam o próprio leitor. Conforme pode ser observado, a surpresa estética produz tanto um corte que introduz um estado de exceção na subjetividade, quanto uma desaceleração do tempo. Ambos são acolhidos e se tornam gradativamente mais consistentes no decorrer do processo de aprendizagem inventiva que ocorre na oficina literária.

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